Recomposições da semiosfera: dinâmicas de inovação na literatura brasileira no limiar do século XX (16° Congresso Alemão de Lusitanistas) |
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As histórias da literatura brasileira tradicionalmente foram escritas a partir de pautas desenvolvidas pelas literaturas europeias. Essa perspectiva se justificaria na medida em que a circulação da literatura europeia e, particularmente, da literatura francesa no Brasil do século XIX foi considerável. Assim, lemos, numa obra de referência alemã, que “o Romantismo, o Realismo ou Naturalismo e o movimento parnasiano se desenvolvem [no Brasil] mais do que em outros países latino-americanos e são adaptados de acordo com o caráter nacional […] e a via de mediação francesa dominante”1. No entanto, ao apresentar o Realismo e o Naturalismo brasileiros como um produto de importação, cujos “ídolos estilísticos são Flaubert, Zola e Eça de Queirós”2, essa obra se junta a muitas outras que tendem a reduzir a literatura brasileira anterior ao Modernismo a um derivado das literaturas europeias. Consideramos que é necessário continuar a repensar as relações literárias entre o Brasil e a Europa do século XIX. Por esse motivo, propomos conceber o espaço literário brasileiro como uma “semiosfera”, isto é, um sistema de signos com uma complexa estrutura interior que se recompõe uma e outra vez através de transferências culturais3. Com efeito, nas fronteiras tanto internas quanto externas dessa semiosfera é realizado um constante processo de negociação, tradução e apropriação de formas e conteúdos literários. Ao colocar o Brasil no centro, será possível compreender como os aportes de outros contextos culturais são acolhidos e transformados em contato com os códigos próprios desse país. A partir dessa hipótese, queremos pôr em foco as dinâmicas de inovação na literatura brasileira no limiar do século XX. Dessa maneira, tencionamos contribuir para a reescrita da história literária brasileira daquela época, tradicionalmente marcada pelo preconceito de que seria uma imitação de modelos europeus. Valorizaremos a obra de autores brasileiros marginalizados ou esquecidos e releremos a obra de autores reconhecidos à luz das pesquisas mais recentes. Estabeleceremos, igualmente, pontos de contato e divergência entre as letras brasileiras e as publicações estrangeiras. A literatura brasileira no limiar do século XX nos parece particularmente interessante por vários motivos ligados ao contexto político, social e cultural no qual emerge. Nesse tempo, iniciava-se um amplo processo de reorganização da semiosfera brasileira, instigado por diferentes fatores. Com a Proclamação da República, em 1889, introduziu-se um novo modelo político. A abolição da escravidão no ano anterior acelerou a transformação econômica do país, embora não tenha acabado com a discriminação racial. Ideologicamente, assistimos ao triunfo do Positivismo, que rapidamente foi desafiado por outras filosofias, como aquela de Arthur Schopenhauer. Em 1990, Roberto Schwarz falou da “volubilidade” do estilo literário de Machado de Assis4 — autor que a história literária tradicional apresentara como o máximo representante do Realismo brasileiro. Esse termo, porém, dá conta da obra complexa e diversa do autor das Memórias póstumas de Brás Cubas (1880), assim como da facilidade com a qual ele combina e desenvolve diferentes estilos literários. A nosso ver, ele também pode descrever a obra de outros autores daquela época. Vários pesquisadores participaram na reabilitação do Naturalismo brasileiro, que durante muito tempo ficou à sombra da literatura modernista. Assim, Pedro Paulo Catharina e Leonardo Mendes chamaram a atenção para a singularidade da obra de Figueiredo Pimentel, autor da Belle Époque carioca, que, com o romance O aborto (1893), escreveu um verdadeiro best-seller5. Apesar do enorme esforço já feito, a reavaliação do Naturalismo está ainda inacabada. Basta lembrar Inglês de Sousa, autor paraense pouco estudado na atualidade, talvez pela distância que separa o espaço de suas narrativas do Rio de Janeiro, então centro político e cultural do Brasil. Outros nomes desse período, considerados como diletantes6, foram relegados ao segundo plano da história literária por muito tempo. Pensemos, por exemplo, na escritora Júlia Lopes de Almeida, cujos romances, contos e crônicas, que abordavam os desafios femininos no país, ficaram à margem do cânone, a despeito do reconhecimento de seus contemporâneos7. Mesmo uma figura como João do Rio, reconhecido por seu trabalho como repórter e cronista, teve parte de sua produção literária depreciada. Dândi carioca, tradutor para o português de diferentes textos de Oscar Wilde e leitor de Jean Lorrain, ele publicou diversas narrativas decadentes, repletas de desenlaces grotescos e efeitos típicos da literatura de horror8. Poderíamos citar, ainda, os casos de Coelho Neto, Olavo Bilac e Medeiros e Albuquerque, fundadores da Academia Brasileira de Letras e bastante populares no período, mas duramente criticados pelos modernistas e solapados pela história literária; de Lima Barreto, perspicaz observador e analista da sociedade brasileira, que tem sido cada vez mais lido por uma perspectiva étnico-racial9, e de uma série de escritores menos conhecidos como Elísio de Carvalho, Gastão Cruls, Gonzaga Duque, Madame Chrysanthème e Valentim Magalhães, cujas obras revelam a variedade da vida literária brasileira no período10. De acordo com o tema do XVI. Deutscher Lusitanistentag, perseguimos três objetivos com o painel que propomos: 1) revisitar os processos de seleção e dos padrões de organização da história literária brasileira do limiar do século XX para conseguir uma imagem mais equilibrada e mais completa da produção literária daquela época; 2) reorientar as práticas de escrita da história literária, servindo-nos de padrões alternativos, como aquele da semiosfera, que destacam os singulares diálogos da literatura brasileira com diferentes tradições literárias; 3) reparar simbolicamente o dano feito a autores obliterados pela história literária — seja por sua situação geográfica, sua etnia ou seu gênero, seja por praticarem poéticas menosprezadas pela crítica. Contaremos com a presença do Prof. Dr. Pedro Paulo Catharina (UFRJ), especialista nas relações entre o Naturalismo francês e o brasileiro, assim como do Prof. Dr. Júlio França (UERJ), referência nos estudos das poéticas do mal, como o gótico, o horror e o grotesco, na literatura brasileira. Os interessados devem enviar os resumos de suas propostas (máximo de 250 palavras) e uma breve bio-bibliografia, indicando a atual afiliação institucional, até 15 de março de 2025 para os seguintes e-mails: e . As apresentações no painel têm duração de 20 minutos. Lembramos, ainda, que os custos de viagem e hospedagem são arcados pelos próprios participantes. Organizadores: Referências bibliográficas: |
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Lieu Munich (Allemagne) | ||||||
Contact Timo Kehren () & Daniel Augusto Pereira Silva () | ||||||
Site officiel du congrès: https://www.romanistik.uni-muenchen.de/lusitanistentag25_pt/index.html |